por Paulo de Carvalho Yamamoto

Na última semana de maio deste ano, tive a oportunidade de acompanhar a atuação dos advogados do Sindicato Nacional de Trabalhadores Mineiros, Metalúrgicos, Siderúrgicos e Similares da República Mexicana, o Sindicato Minero, com sede na Cidade do México.

Sob coordenação do Doutor Oscar Alzaga Sánchez, o Departamento Jurídico do Sindicato tem destacada relevância não só na atuação judicial, defendendo a categoria profissional perante os Tribunais, mas também na negociação coletiva diante das grandes empresas do setor e, ainda, no combate político cotidiano junto a classe trabalhadora mexicana.

Renomado advogado mexicano, o Dr. Oscar Alzaga foi Presidente da Asociación Nacional de Abogados Democráticos, a ANAD, entidade que congrega os mais destacados advogados progressistas do país, entre 1997 e 1999, mantendo-se até hoje membro do Comitê Executivo Nacional da entidade.

Também participa do seleto grupo de membros do Comitê Executivo Nacional da ANAD, o jovem Dr. Nahir Antonio Velasco, colega do Dr. Oscar no Sindicato Minero – registre-se que naquela semana, o Dr. Oscar ocupava-se de uma importantíssima assembleia em outro Estado da Federação Mexicana em que os trabalhadores discutiriam os rumos da mais longa greve da história do país, a qual será tema de outro texto – e que, muito amavelmente, me recebeu na entidade, permitindo que o acompanhasse em sua atuação profissional cotidiana.

O Dr. Velasco, ou simplesmente Nahir, é um exemplo de advogado combativo: impecável na técnica judicial, influente na academia jus-laboral mexicana, adentra ao Fórum Trabalhista saudando e sendo saudado, de forma igual, tanto os trabalhadores terceirizados da segurança do prédio, quanto os magistrados que diariamente julgam seus pleitos, passando pelos servidores e advogados das empresas.

Aliás, percebe-se um grande respeito destes últimos perante a opulenta figura de Nahir, sabem que ademais de um talentoso advogado, estão diante de um combativo militante social que, quando necessário, não hesita em assumir sua posição na linha de frente de um piquete de braços dados com os trabalhadores mineiros em greve, como me contou, na porta da Vara, um advogado de empresa mineradora que o próprio Nahir me apresentou.

Um modelo processual corporativista e neoliberal

Ainda sob grande influência da doutrina corporativista, revisitada por leituras neoliberais, o Processo Trabalhista Mexicano é marcado pela sua vinculação ao Poder Executivo e, simultaneamente, por seu incentivo a meios alternativos de soluções de controvérsias, com maior destaque para a conciliação.

Daí se explicar que o órgão estatal mexicano responsável por dizer o Direito do Trabalho no caso concreto é a Junta Federal de Conciliación y Arbitraje (JFCA), que faz parte da Secretaría del Trabajo y Previsión Social, algo similar à estrutura original da Justiça do Trabalho brasileira, desde sua criação até a Constituição de 1946.

Situado no bairro de Azcapotzalco, o Fórum Trabalhista está instalado em um moderno prédio espelhado, cujo interior, apesar da arquitetura sofisticada, não deixa de lembrar a aparência incomodamente kafkiana dos nossos fóruns abarrotados de processos físicos, antes da implementação do jovem (e, por enquanto, não tão confiável) Processo Judicial eletrônico, nosso amado e, ao mesmo tempo, odiado PJ-e.

Assim como foi no Brasil até a Emenda Constitucional nº 24/1999, a jurisdição trabalhista mexicana (que, como dito, é exercida por órgão administrativo) é tripartite, sendo composta por um representante do Estado, que preside a Junta de Conciliação e Arbitragem, um representante das empresas e outro dos trabalhadores, sendo todos eles designados pelo Poder Executivo.

Apesar da institucionalidade da estrutura administrativa dos Tribunais Trabalhistas, a dinâmica procedimental mexicana parece ser muito menos formal do que a prática jurisdicional trabalhista brasileira.

Uma vez apresentada a reclamação, uma audiência é agendada exigindo a presença do reclamante, de seu procurador e do procurador da empresa. A audiência é presidida por servidor público posto atrás de um balcão, na frente do qual recebe ambas as partes. Os procuradores, acompanham atentamente a elaboração da ata da audiência, na qual se reduz a termo todas as alegações, protestos, e provas produzidas – inclusive depoimentos, colhidos ali mesmo. Finda a audiência, sem a realização de um acordo entre as partes – o qual, por dever de ofício, é estimulado a todo momento pelo servidor – o processo é enviado para a conclusão do representante estatal que, com base nas provas documentais fisicamente juntadas, e nas testemunhais colhidas in loco, prolata, de forma isolada, proposta de sentença a ser apreciada pelos demais julgadores, os quais se bastarão em aderir ou não tal proposta.

Impressões finais

Num primeiro momento, a dinâmica procedimental do Direito Trabalhista mexicano chega a assustar o advogado trabalhista brasileiro, tão acostumado às audiências – ditas – unas, presididas por membro do Poder Judiciário cuja responsabilidade de dizer o Direito no caso concreto lhe dá o poder-dever de dirigir o processo.

Porém, para além dos regimentos internos dos Tribunais e das Resoluções do CSJT, quem atua cotidianamente na seara trabalhista sabe que é cada vez mais comum o incentivo à  conciliação presidida por servidor da Vara do Trabalho local, enquanto o magistrado trabalhista, atolado em pautas intermináveis, preside audiências marcadas de dez em dez minutos, sem, portanto, poder prestar qualquer supervisão naquela conciliação em andamento – muitas vezes ocorridas no balcão da Vara.

Um pouco antes da minha viagem ao México, a grande imprensa brasileira repercutia a fala do Ministro Barroso em Londres, segundo a qual o Brasil seria responsável por 98% dos processos trabalhistas do mundo. Tal dado, ainda que absolutamente equivocado, conforme demonstraram especialistas tanto em Direito do Trabalho, como o Professor Rodrigo Carelli, quanto em Direito Constitucional, como o Professor Cássio Casagrande, foi textualmente utilizado pelo Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) como fundamento para apresentar Parecer favorável à aprovação da Reforma Trabalhista na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.

O México teve piores resultados que o Brasil na resistência às pressões neoliberais do século passado que exigiam, sob o nome de flexibilização e de modernização, a destruição do Direito e da Justiça do Trabalho de lá. Com isso, podemos enxergar naquela estrutura o resultado daquilo que se está propondo aqui com a Reforma Trabalhista em trâmite no Congresso.

Apesar de todas as precarizações impostas à legislação social mexicana, a ideologia dominante segue exigindo ainda mais desregulamentações e violência social contra a classe trabalhadora do país. A estratégia é a mesma utilizada por aqui: tenta tomar como causa aquilo que, em verdade, é consequência.

As similaridades mais profundas entre o Direito Processual do Trabalho brasileiro e mexicano não decorrem de uma delirante abundância de Direitos Sociais, mas, antes, de uma cada vez mais violenta desregulamentação do mercado de trabalho de ambos os países. Tanto aqui, como lá, a falta de limites legais na exploração do trabalho e a impunidade no constante desrespeito aos parcos limites existentes é que alimentam a ineficácia da tutela estatal – no caso brasileiro, judicial; no caso mexicano, administrativo – dos Direitos Sociais destes irmãos latinos.