FUP e CNE devem ser Protagonistas na Transição Energética do Brasil
O Debate sobre uma “Transição Justa” na 111ª Conferência da OIT
Por: Angelo Remedio Neto
Advogado na Advocacia Garcez e professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro
A 111ª Conferência Internacional da OIT tem como um de seus temas centrais a transição energética justa. Uma agenda central na geopolítica mundial hoje é justamente a transição energética, em vista a todos os efeitos drásticos que o planeta vem enfrentando por violentas mudanças climáticas, que acabam por afetar trabalhadores e trabalhadoras principalmente de países pobres. A mudança de fontes de energia ‘sujas’ geradoras de resíduos nocivos – como gás carbônico – para energia limpas e renováveis é cada vez mais frequente. O Brasil, com sua imensidão territorial e fonte de recursos, passa a ocupar um espaço central neste debate. Neste cenário, a OIT passa a debater uma transição justa, que relacione a transição energética e novas relações no mundo do trabalho. Sabemos que justiça é um conceito aberto à disputas e polissêmico. A presença deste debate na Conferência tem mostrado as disputas que se dão em torno deste processo. A equipe da Advocacia Garcez presente coloca aqui suas compreensões até o momento.
Em primeiro lugar, na perspectiva dos trabalhadores do Brasil, uma transição justa deve ser aquela que, respeitando o meio ambiente e pensando em uma economia verde, não descarte seus trabalhadores nem seus direitos. Pensar uma transição justa é pensar em formalidade, manutenção de empregos, qualificação e adaptação. Um trabalhador extremamente precarizado ainda pode ser responsável pela diminuição de emissões de carbono. Seria essa transição que queríamos?
A Advocacia Garcez, nos últimos anos, obteve experiência defendendo sindicatos de petroleiros, eletricitários, metroviários e do saneamento básico que sempre se mostraram preocupados com uma transição energética. Das greves mais marcantes dos últimos anos promovida pela Federação Única dos Petroleiros, por exemplo, temos a resistência contra a privatização da PBIO e a saída da Petrobras do mercado de biocombustíveis. O Coletivo Nacional dos Eletricitários, por exemplo, teve papel central na resistência à ampliação da utilização de termelétricas após a privatização da Eletrobras pelo governo Bolsonaro.
Uma transição será justa se os trabalhadores, através de seus sindicatos, forem capazes de formular as nuances deste processo e tiverem espaço institucional para que suas demandas sejam debatidas, inseridas e implementadas por qualquer projeto de transição energética que venha a ser adotado pelo governo brasileiro. FUP e CNE, vanguarda no Brasil para o debate de uma transição energética justa que melhore as condições de trabalho, devem possuir papel central neste momento.
No Brasil uma transição energética justa é inviável sem a participação ativa da Petrobras e da Eletrobras. O papel dos trabalhadores e trabalhadoras das duas Companhias é crucial e determinante para que o Brasil possa passar por este processo de transição com desenvolvimento econômico e social, a sociedade precisava voltar a ser protagonista na gestão destas empresas. Para isso, é essencial que a Eletrobras seja reestatizada, e possa funcionar de acordo com o interesse nacional, e que a Petrobras recupere – algo já em curso pela nova gestão – seu papel protagonista no debate sobre uma transição energética no Brasil.
Em segundo lugar, a disputa norte e sul global se mostra acentuada na Conferência. Uma transição será justa se promover mais desenvolvimento, crescimento econômico e diversificação. Isto ocorrerá com investimento público, transferência de renda e aporte de agências internacionais. Países que foram historicamente explorados tiveram seus territórios e riquezas naturais exauridos por grandes multinacionais, e nessa situação não possuem bases estruturais para sua conta e risco realizarem o processo de transição que seja justo, democrático e amplie direitos trabalhistas. Sem uma política altiva da comunidade internacional, podemos estar diante de um novo cenário da economia global marcado pelo imperialismo verde.
Estes dois problemas – condições de trabalho e recursos financeiros -, mostram os desafios apresentados no debate concernente a uma transição justa. O papel dos trabalhadores e das trabalhadoras do Brasil neste processo será fundamental.
Os debates na 111ª Conferência
O informe IV apresentado pela OIT trata dos desafios de uma transição justa para um modelo de desenvolvimento sustentável. O documento[1] parte da premissa de que uma crise planetária está em curso e precisa de uma política global urgente como resposta. De acordo com a OIT, 1.2 bilhão de empregos dependem de um ecossistema saudável e há um risco de perda de até 80 milhões de empregos até 2030 por conta de mudanças drásticas no clima. Estas mudanças podem colocar 130 milhões de pessoas na pobreza até 2030 e fazer com que até 216 milhões de pessoas tenham que se deslocar para fugir de desastres climáticos. Estas informações mostram como trabalho e mudança climáticas estão absolutamente imbricadas.
Neste cenário, a 111ª CIT tem realizado o debate de uma justa transição colocando as relações de trabalho em sua centralidade. Confirmando a urgência de uma transição justa, são 4 os principais temas de debate na Conferência:
- Promoção de economias inclusivas, sustentáveis e geradoras de empregos;
- Garantia de justiça social;
- Gerenciamento do processo de transição energética;
- Financiamento da transição energética.
Os debates na CIT 2023 terão como resultado a criação de uma nova Resolução que irá à votação plenária no dia 16 de junho. Esta terá como foco:
- pensar os imperativos de uma transição justa para economias e sociedades ambientalmente sustentáveis para todos;
- estabelecer os princípios bases de uma transição justa;
- definir políticas industriais e tecnológicas para um desenvolvimento sustentável;
- definir o papel dos governos, das organizações de empregadores e trabalhadores na promoção de uma transição justa;
- definir o papel da OIT na promoção de uma transição justa.
Com a aprovação desta resolução, a Advocacia Garcez espera que o debate sobre uma transição justa ganhe novos contornos na agenda pública brasileiro, com protagonismo do combativo movimento sindical do Brasil. De qualquer forma, o simples fato de a temática ter vindo à tona neste momento já é um avanço, pois impõe a todos os pensadores do direito e aos próprios segmentos de representação sindical a reflexão sobre a matéria e abre espaço para, na busca de soluções justas, apresentarem suas pautas de interesse.
Genebra, 14 de junho de 2023.
[1] Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/@ed_norm/@relconf/documents/meetingdocument/wcms_883666.pdf.
As traduções são de autoria e responsabilidade do autor deste texto.