Justiça do Trabalho diz que privatização deve respeitar direitos sociais e suspende venda de distribuidoras da Eletrobras

Em decisão liminar concedida em Ação Cível Pública trabalhista proposta pelos sindicatos dos trabalhadores das empresas de distribuição de energia elétrica STIU-AM, STIU-AC, SINTEPI, SINDUR-RO e STIU-AL, a juíza Raquel de Oliveira Maciel, da 49º Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, suspendeu o processo de privatização das empresas Amazonas Distribuidora de Energia S.A. (Amazonas Energia), Centrais Elétricas de Rondônia (Ceron), Companhia de Eletricidade do Acre (Eletroacre), a Companhia Energética de Alagoas (Ceal) e a Companhia Energética do Piauí (Cepisa), distribuidoras da Eletrobras nas regiões Norte e Nordeste do país. A decisão pode acabar de uma vez com qualquer esperança do governo de privatizar as companhias elétricas. As entidades sindicais são representadas pela Advocacia Garcez.

Pela primeira vez, a Justiça reconheceu que um processo de privatização deve levar em conta os impactos no âmbito dos direitos dos trabalhadores e não apenas as questões do direito societário ou da transferência de capitais. Na peça inicial, os autores destacaram que a Eletrobras (Centrais Elétricas Brasileiras S.A.), por meio das Empresas Distribuidoras de Energia Elétrica (EDEs), conta com 11.405 trabalhadores, sendo 6.277 do quadro próprio e 5.128 terceirizados. Estes trabalhadores tinham Acordo Coletivo de Trabalho em vigência até 30 de abril de 2018, e Acordo Coletivo Nacional para Participação nos Lucros e Resultados, ambos com diversas cláusulas sociais e econômicas que incorporam direitos aos contratos de trabalho.

A juíza argumenta em sua decisão que “se as pessoas que ali trabalham são os principais atores, merecem um estudo sobre os impactos que aquela mudança irá lhes causar”. Ela reconhece que “o processo de desestatização deve ocorrer em total transparência com as entidades sindicais”, já que “a alteração subjetiva do contrato de trabalho, no que diz respeito ao contratante, é fato relevante que deve ser discutido com os Sindicatos requerentes, notadamente em virtude do potencial impacto no que diz respeito aos contratos de trabalho em vigor”.

Desta forma, a juíza determinou que as distribuidoras “se abstenham de dar prosseguimento ao processo de privatização, a fim de que apresentem, individualmente ou de forma coletiva, no prazo de até 90 dias estudo sobre o impacto da privatização nos contratos de trabalho em curso nas empresas constantes da inicial e nos direitos adquiridos por seus empregados”. O descumprimento da obrigação no prazo acarretará às distribuidoras multa de R$ 1 milhão às empresas.

Para Felipe Gomes da Silva Vasconcellos, da Advocacia Garcez, “essa liminar é uma vitória dos trabalhadores, que coloca pela primeira vez, em um processo de privatização, a necessidade do repeito aos postulados e princípios do direito do trabalho. É uma decisão inédita, que coloca o direito dos trabalhadores, direitos sociais e humanos como um elemento fundamental nas atividades societárias. Por isso é paradigmática, porque até aqui os processos de privatização ou o próprio direito societário é tomado como um assunto exclusivamente empresarial, de transferência de capitais”.

O advogado Maximiliano Nagl Garcez, que também representa os sindicatos, ressalta que “além do ineditismo da decisão, eu destaco o momento oportuno em que ela saiu. No momento em que o governo ilegítimo e golpista ataca os diretos trabalhistas e os setores mais humildes da população brasileira. Foi denunciado na Organização Internacional do Trabalho (OIT), exatamente por conta disso. Uma decisão relevante da juíza do trabalho coloca no centro do debate da privatização os direitos sociais e humanos. É um alento para todos que resistem contra os desmandos dos golpistas e a tentativa de desmanche do patrimônio público e do Estado social brasileiro.”

Para o sindicalista Nailor Guimarães Gatto, presidente do Sindicato dos Urbanitários e Rondônia (SINDUR) e vice presidente da Federação Nacional dos Urbanitários, “é muito importante a vitória que nós conseguimos hoje, na 49ª Vara do Trabalho da cidade do Rio de Janeiro, através do escritório Garcez. É importante destacar a luta e a disposição que os trabalhadores têm nesse processo todo para que consigamos reverter esse projeto nefasto para a classe trabalhadora, para os eletricitários e para os trabalhadores das distribuidoras do sistema Eletrobras”.

O Sindicato dos Urbanitários do Estado do Amazonas também destacou a relevância da decisão. Segundo Edney Martins, presidente do Sindicato dos Urbanitários do Amazonas (STIUAM), “pela primeira vez, a gente vê a Justiça pugnando e se preocupando com o que ocorrerá com as pessoas. É logico que esse processo está eivado de erros e também não dá respostas para o abastecimento de energia com qualidade e com modicidade tarifária para a região amazônica, e nem para os dois estados do Nordeste, além de tratar com muito descaso a questão dos trabalhadores”.

Marina Marçal, advogada que também representa os sindicatos pela Advocacia Garcez, ressaltou que “a análise cuidadosa do juízo fez valer aos trabalhadores a condição de hipossuficientes, protegendo-os de serem os primeiros a sofrer com o impacto de decisões não exclusivamente de cunho econômico mas também sociais. Por isso a importância da atuação dos sindicatos”.